Rodrigo
RODRIGO
já já deve chegar uma mensagem tua no celular
“jeff, tá por aqui?”
ou vou perceber uma chamada não-atendida…
(você sabe, eu sempre esquecendo de olhar)
tô esperando
aquele teu email
pra gente combinar a
próxima aula…
essa desculpa esfarrapada
pra gente se ver e falar
(que – no trompete –
você já sacou,
eu não avanço
nada…)
daqui a pouco o Cássio
marca mais um
ensaio
pra eu ouvir
tua voz mansa
teu sorriso de canto de boca
– envergonhado –
ou ver teus olhos se fechando
– tão doces –
ao soprar
todo teu coração
triturado
em nossos ouvidos
tô aqui
te esperando
no horário combinado
pra gente trocar a roupa
pintarmos juntos
o rosto
ali mesmo
no centro de convivência
– ou no banheiro dum supermercado –
você-pierrot e eu-arlequim
livres noite adentro
– desmascarados! –
dançando com os bêbados
fazendo serenatas às colombinas
(que esperam cansadas
o último ônibus da linha)
você me ensinando a coragem
eu te ensinando a companhia
dois bobos rindo do mundo,
dessa máquina…
esse riso inútil
e necessário…
bora organizar
qualquer qualquer
coisa
pra você declamar
algum poema
e mostrar pras pessoas
que a vida
ainda respira
e que você incandesce
as palavras, Rodrigo,
que você queima
e no natal
rola de novo
a gente varar vendo filme na sala
nessa
cumplicidade
solitária
quase sem palavras
fala mais do Chet
pra mim
de como teu café
é pão e jazz
de como a música é
silêncio
fala mais do seu filho
da tua alegria de vê-lo
descobrindo o violão
da autonomia que
você vai incentivando
no menino
sei lá, fala do teu
coração partido
ou do partido rachado
da militância
da raiva dos
correios
das greves
do sindicato
de todas as cartas
que não foram
entregues
ou então vem
e fala alguma bobeira
se diminuindo
– como você não ser
artista, poeta –
só pra gente ter raiva…
ou então
não fala
nada
não fala
teu silêncio,
teu sopro
anuncia…
sei lá,
tô aqui,
feito criança,
meu amigo,
me enganando
com este poema
– que outra coisa
a gente sabe fazer? –
tentando fingir
“tão completamente”…
fingindo que é esperança
a esperança que eu sinto
mesmo
de te
encontrar
a qualquer hora
em qualquer lugar
eu-você
andando por aí
meus olhos
– como os teus –
crentes.
(poema de Jeff Vasques em "És fardo ou farda")
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