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Prefácio da Antologia de Poesias de Luta por Mauro Iasi e Scapi




Onde entra a poesia?

Ninguém sabe de onde vêm as poesias. Vêm do mundo, vêm dos poetas, vêm daqueles que dela precisam? Na certa, vêm do encontro de tudo isso, mas o que importa é que sempre vêm, mesmo em tempos obscuros e tristes, mesmo diante da barbárie que nega a vida, a poesia brota do solo impossível, regada pelas lágrimas dos ausentes, fertilizada pelo amor distante, fortificada pelo ódio presente. O terreno de onde brota a poesia parece muito nossa América Latina, porque em seu corpo foi traçado o sulco profundo do arado da dor e da exploração, semeado com nossa luta e nossas mais ternas esperanças. Muitas vezes, a poesia vestes as asas da canção em nossas terras, o que é natural para aquilo que nasceu para voar. Mas, sabemos, os poemas vestem outras terras, na distante e gelada Rússia, nas montanhas de uma China desconhecida, nas aquarelas do Japão, no solo amarelo e quente da África, nas estradas retas do Norte de nossa América. Se tem algo que sabemos é que a poesia é universal, porque universal somos nós e é nosso este planeta.


Na parte que nos cabe, o poema se escreve com sangue e é de luta. Nem todos, nos adverte Jeff Vasques, é verdade. No entanto, é difícil separar poemas por aquilo que aparentam dizer, como tarefa impossível é separar a cabeça do coração dos poetas. Em tempos de

desamor, o amor é revolucionário, em tempos de destruição, louvar árvores é um desacato. Mas, existe entre as matérias primas de nosso canto, um barro vermelho e forte que serve de casa aos que não têm abrigo, que serve de terra para quem não a tem, que se faz de país

para quem vive o desterro, que dá a mão aos caídos, que abraça os injustiçados.


Não temos culpa por sua cor, como disse um dia Brecht, é vermelho porque foi tingido pelo sangue de nossos camaradas, é duro porque endurecemos para não morrer de tristeza, traz as digitais de mãos grossas moldadas pelo trabalho, acostumadas a buscar o firmamento erguendo seus punhos cerrados.


Como disse certa vez Victor Jara, nosso canto não é de protesto. Cantamos a vida e em nossa terra a vida se levanta contra aquilo que a oprime, cantamos nosso povo e nossa gente que

resiste, cantando, rindo, se amando, criando nossas crianças e lutando. Tudo isso está em nosso canto, porque tudo isso nos constitui. “Não podemos cantar como convém, sem querer ferir ninguém”, os trabalhadores acolhem nossos poemas com um abraço e um beijo ternos, os poderosos com prisões e censura.


“Que los pobres coman pan y los ricos mierda... mierda!”. É natural. Para nós, os poemas invadiram a educação popular sem pedir licença, desconsiderando a particularidade do estético e da busca do conhecimento. Apenas se insinuaram provocados por uma palavra, uma imagem, por uma consideração. Não como solenidades burocráticas para abrir e fechar etapas, mas no fluir de cada atividade, provocando, reagindo, com violência, com paixão,

com carinho. O poema odeia a burocracia, repele roteiros e despreza lugares fixos e deixas ensaiadas, apenas diz, naquele momento o que o educador sente e traz e assim produz o milagre do encontro quando quem ouve oferece a outra parte que faltava.

Organizar poetas de nossa América latina é tarefa grande que Jeff realizou com zelo, porque são muitos, porque são múltiplos, porque tentaram e tentam esquecê-los, porque nem

sempre habitam o parnaso dos eleitos. É uma colherada da sopa de nossos poemas. A colher representa o que ficou no caldeirão. São os nossos que aqui estão, mas sempre haverá alguém que recorde de um ausente, bom, então esta coletânea terá cumprido um de seus objetivos, não é?


Como nos poemas, os livros carregam coisas que lhes comportam e deixam coisas por dizer. Lembremos Vallejo e com ele dizemos: “Quereis más? encantado (...) El tiempo tiene un miedo ciempiés a los relojes”.


Mauro Iasi e Luis C. Scapi (N.E.P. 13 de Maio)

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