ESPANAR
Atualizado: 18 de abr. de 2022
ESPANAR
o parafuso junta uma chapa na outra prende bem as coisas
e há o ser humano
ele mal tinha um olho tremia o corpo todo bem
pralém do seu controle
entrou no ônibus não sei como
(seu cheiro entrando antes)
grunhiu algo que não se entendia e chacoalhava – na mão que menos tremia – um saco plástico com um bonito laço cheio de notas sujas de dinheiro.
o parafuso fixa bem coisas não as deixa nem um pouco soltas
e há o ser humano
ele teve dificuldade pra se sentar não conseguia controlar tantos movimentos involuntários urrava de tempos em tempos – consigo? conosco? – parecia querer ir pra barão geraldo – onde eu moro – tão magro mal tinha um olho
o parafuso impede que as coisas se movam
e há o ser humano
o meu peito me dizia que ele não tinha bem condições de se locomover de comer defecar de brindar o ano novo mas vem de algum jeito subindo em ônibus até este 31 de dezembro rumo a 2018
(fingia pra mim mesmo que alguém o esperava com um guarda-chuva no ponto pra lhe poupar desse aguaceiro… e que iria protegê-lo desses fogos todos que vamos lhe cuspir à cara na meia noite de hoje…)
o parafuso com sua rosca esmaga uma placa na outra esgana
e há o ser humano
eu não conseguia olhar direito para esse homem não me sentia digno (qualquer dor no meu olhar seria ridículo) e mais que isso parecia que algo em mim iria se soltar…
eu não sei bem o quê… se meus músculos dos ossos se o grito do olhar se a carne dos sonhos
essa ameaça de tudo se desintegrar sem sentido
e para me salvar
fixei meu olhar à frente no ônibus
assim, reto, sem desviar
e, ali, um parafuso!
tão sólido tão duro
tão imóvel mudo
prendia uma chapa na outra
prendia tudo tanta coisa
e me prendia a esse mundo
que ignora
onde andará – agora – esse ser humano.
(poesia de Jeff Vasques)
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